terça-feira, 22 de março de 2011

Como os cegos ‘ vêem’ com a audição


Adaptação. Cérebro redirecciona a informação para os ouvidos no caso das pessoas que nasceram sem ver

A audição torna-se na visão de quem nasceu cego. É esta a conclusão, de forma simplificada, de um estudo realizado no Canadá, que comprovou que o cérebro tem a capacidade para redireccionar a informação para os ouvidos no caso das pessoas que nasceram sem ver, demonstrando que é uma “ máquina orientada pelas funções” e não “ puramente sensorial”.

Neste estudo dirigido por Oliver Collignon, do Centro de Investigação do Hospital Saint-Justine, da Universidade de Montreal, os investigadores trabalharam com 11 pessoas cegas desde a nascença e com outras 11 com visão. A actividade cerebral foi analisada através de ressonâncias magnéticas, durante as quais as pessoas iam recebendo sons de diferentes tons. “ Os resultados demonstraram uma surpreendente plasticidade do cérebro”, salientou Collignon. A plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro tem de se remodelar de acordo com as experiências a que é sujeito, reformulando as suas conexões em função das necessidades e dos factores do ambiente em que se encontra.

O neuropsicólogo acrescentou que o cérebro privado da visão é “ suficientemente flexível para utilizar um nicho de neurónios para desenvolver e executar funções que são próximas das exigidas pelos restantes sentidos”. O que significa que esta pesquisa demonstra que o cérebro deve ser considerado “ uma máquina orientada pelas funções, em vez de uma máquina puramente sensorial”.

Apesar de demonstrado que o cérebro redirecciona informação, o que os investigadores ainda não conseguiram entender é como se realiza este processo. “ É possível que este redireccionar aconteça como parte das nossas conexões neurais que estão sempre em mudança”, referiu Collignon. No entanto, para já, não passa de uma teoria que vai agora ser investigada.

Este estudo baseou-se em outras investigações que indicavam que os invisuais tinham uma maior capacidade auditiva, pelo que o resultado final deste último, agora divulgado, não surpreendeu Carlos Lopes. O presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal ( ACAPO) e ex-atleta paralímpico confirma que é natural que ao ficar privado da visão, os outros sentidos fiquem mais apurados, principalmente a audição. “ É o sentido que nos permite ter o contacto mais directo com a realidade que nos rodeia”, salientou ao DN. Porém, realça ainda outro pormenor importante a ter em conta: “ A atenção é também diferente. Nós temos de tomar atenção a tudo e, nomeadamente com a audição, temos de estar atentos aos sons que para quem vê não são tão importantes, pois processa essa mesma realidade através da visão.”

Carlos Lopes prefere falar da necessidade que se tem em aprender a potenciar os restantes sentidos quando não se tem visão. “ Isto é relativo à audição, mas também aos restantes sentidos.” Mas realça ainda o problema que é quando alguém que não vê tem também problemas de audição. Ou seja, torna-se difícil aplicar a atenção e a aprendizagem quando dois dos sentidos que mais rapidamente dão a percepção da realidade não estãofuncionais.

| Elisabete Silva, DN - 21.03.2011 (Edição impressa).

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