sábado, 30 de julho de 2011

Habitantes dos polos têm os olhos e os cérebros maiores

Investigação da Universidade de Oxford demonstra uma forte correlação entre a região onde se vive e a dimensão do cérebro e dos olhos. No Equador são mais pequenos do que nos polos.


As pessoas que vivem em latitudes mais altas têm os olhos maiores e os seus cérebros processam mais rapidamente a informação visual, quando comparadas com aquelas que vivem mais perto do Equador.
De acordo com um estudo do Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolucionista da Universidade de Oxford , à medida que nos afastamos do Equador a luminosidade decresce, aumentando as dimensões dos olhos dos humanos.
"Os seus cérebros também precisam de ser maiores para lidar com os estímulos visuais. Isso não significa que a estas latitudes as pessoas sejam mais inteligentes, quer apenas dizer que estas pessoas precisam de cérebros maiores para conseguirem ver melhor", explicou ao "The Guardian" Eiluned Pearce , uma das autoras do estudo.
Dito de outra forma: um habitante da Gronelândia e um do Quénia têm a mesma habilidade para discernir detalhes, mas o que vive mais a norte precisa de um cérebro e olhos maiores para lidar com a menor intensidade luminosa.

Dez mil anos de evolução 


O professor Robin Dunbar , co-autor do estudo, contou ao "The Guardian" que as pessoas cujos antepassados habitaram no círculo Ártico têm os olhos 20% maiores do que aqueles que vivem perto do Equador. Segundo este investigador, ficou demonstrada uma forte correlação entre a dimensão do córtex visual e a dimensão da cavidade ocular.
No âmbito deste estudo, os investigadores fizeram medições em 55 cérebros do Museu de História Natural da Universidade de Oxford , datados do século XIX, oriundos de 12 populações de regiões diversas da Inglaterra à Austrália, da Escandinávia à Micronésia.
Os resultados, publicados ontem no jornal científico "Biology Letters ", mostram que os escandinavos têm os maiores cérebros (1484 mililitros) e os habitantes da Micronésia os mais pequenos (1200 mililitros). As cavidades oculares dos escandinavos mediam 27 mililitros e os da Micronésia 22 mililitros.
Segundo o professor Dunbar, esta evolução terá decorrido ao longo dos últimos dez mil anos, altura a partir da qual os humanos começaram a habitar a latitudes mais altas.
 http://aeiou.expresso.pt - 28/
07/2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

Cérebro. Investigadores transformaram células da pele em células nervosas. Vão usá-las para perceber como vão morrendo



Uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, criou um banco
de células nervosas artificiais para tentar travar a doença de Parkinson.
Naquele que é o primeiro estudo em larga escala para encontrar uma cura para uma das demências mais comuns na velhice – calcula-se que 6 milhões de pessoas em todo o mundo sofram da doença – os investigadores estão a usar uma nova técnica para criar células estaminais, que lhes permite transformar uma minúscula amostra de pele de um doente numa minúscula amostra do cérebro do doente.
O Parkinson vai destruindo as células do cérebro que produzem dopamina, que são essenciais para controlar os movimentos – provocando tremores e desequilíbrio – e o humor.
A equipa diz que esta técnica lhes vai permitir analisar as células nervosas ao ritmo a que vão envelhecendo e esperam conseguir travar essa deterioração. A primeira amostra de células nervosas cultivadas em laboratório pertence a Derek Underwood, um homem de 56 anos de Oxfordshire, que foi obrigado a reformarse prematuramente devido à doença. As células da pele de Underwood foram cultivadas em laboratório. Depois serão “reprogramadas” para se transformarem em células nervosas.
Os investigadores vão ago
ra recolher amostras de outros 50 doentes, que serão estudadas ao longo dos próximos cinco anos.
“O cérebro é um órgão inacessível e não podemos facilmente retirar amostras para que
possa ser estudado. Mas agora há uma forma de o fazer. Temos as células de Derek disponíveis e podemos replica-las em quantidades ilimitadas para serem estudadas”, explicou o líder da equipa britânica, Richard Wade Martins.
O primeiro passo desta investigação passa por comparar as células retiradas a doentes de Parkinson com outras de volu
ntários livres da doença.
Ou seja, pela primeira vez os investigadores vão poder analisar a forma como se comportam as células saudáveis e a forma como se processa a sua deterioração.“Podemos perceber os processos celulares que fazem morrer as células e perceber porque é que elas começam a adoecer”, explica o responsável, citado pela BBC online. “E queremos perceber se algum tratamento pode reverter este processo e ajudar os doentes a voltar a recuperar as funções cerebrais”.

Apesar de a Parkinson não ter cura, os seus sintomas podem ser combatidos com medicamentos.




























Diário de Notícias (edição im
pressa) - 20/06/2001

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Primeira vaca clonada com dois genes humanos


Um laboratório argentino anunciou o nascimento da primeira vaca clonada no mundo com dois genes humanos, para produzir um equivalente do leite materno que pode proteger os bebés contra doenças e promover o seu desenvolvimento.

"A vaca clonada, 'baptizada' Rosita ISA, é o primeiro bovino nascido no mundo com dois genes humanos que contêm as proteínas presentes no leite materno", segundo o Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola (INTA).

Nicolas Mucci, um dos três responsáveis pelas investigações conduzidas pelo INTA e pela Universidade Nacional de San Martin, disse à agência noticiosa francesa AFP que aquele leite protegerá os bebés e melhorará a sua absorção de ferro.

Adiantou que o vitelo nasceu a 06 de abril e que é vigiado "24 sobre 24 horas".

"O objectivo é melhorar o valor nutricional do leite de vaca juntando dois genes humanos, as proteínas lactoferrina e lisozima", declarou um outro investigador, Adrian Mutto, da Universidade Nacional de San Martin.

Dentro de 10 meses, os investigadores vão poder confirmar se as proteínas estão presentes no leite de Rosita, realizando uma simulação de gravidez.

O objectivo da experiência é que na idade adulta a vaca possa produzir "leite semelhante ao dos seres humanos", indicou o INTA.

DN 11/06/2011



Autismo, uma doença de muitas mutações

Imagem retirada daqui

O autismo não é uma doença única - são muitas doenças. E pode surgir devido a uma panóplia de mutações raras, que não são herdadas do pai ou da mãe, surgem espontaneamente, num mínimo de 250 a 300 pontos do genoma, e afectam o desenvolvimento do sistema nervoso da criança, adiantam três artigos científicos publicados hoje na revista
Neuron. Estes tentam avançar também com uma explicação para a desigualdade da doença relativamente aos sexos, ao afectar quatro vezes mais rapazes do que raparigas.

Foram estudadas mil famílias que têm um filho saudável e outro com uma das desordens do espectro do autismo - designação onde cabem muitas doenças diferentes. Esta base de dados foi uma das novidades metodológicas, sublinha um comunicado da Fundação Simons, a instituição americana que a coligiu: a maioria dos estudos feitos até agora concentrou-se em famílias onde mais do que um filho é autista, o que implica uma forte componente hereditária. Se só um dos filhos é autista, a explicação genética é, provavelmente, diferente. Os cientistas concentraram-se assim na busca das mutações genéticas que surgem espontaneamente nas crianças afectadas. Michael Wigler, do Laboratório de Cold Spring Harbor, em Nova Iorque, um dos líderes da equipa de investigadores, tinha desenvolvido a hipótese de que estas mutações podiam estar na origem de pelo menos metade dos casos de desordens do espectro autista. Algo de semelhante acontece com outra doença mental, a esquizofrenia. Estas mutações de novo, ou espontâneas duplicam, ou então apagam, segmentos de ADN do genoma (pense num romance em que são apagadas aleatoriamente algumas linhas de texto, ou então repetidas outras linhas, um certo número de vezes). Toda a gente tem alguns fragmentos de ADN apagados ou repetidos; mas na maioria dos casos não afecta genes essenciais, nem causa doenças. 
Elas e as sinapses Nestes estudos publicados na Neuron, os cientistas descobriram muitas destas mutações em oito por cento dos irmãos com autismo. Isto quer dizer que as mutações são quatro vezes mais frequentes nos irmãos afectados do que nos saudáveis. Pelo menos 75 das mutações descobertas pareciam prometedoras para a investigação e em seis delas é provável que se façam descobertas interessantes. Um dos estudos concentrou-se em tentar perceber se estas zonas do genoma sugeriam alguma espécie de coerência, uma rede funcional ou molecular. E, curiosamente, os resultados foram positivos, diz o trabalho coordenado por Dennis Vitkup, da Universidade Columbia, em Nova Iorque. "Esta análise dá uma boa base de sustentação à hipótese de que na origem do autismo esteja a perturbação da formação de sinapses", escreve a equipa na Neuron. As sinapses são os pontos de junção que permitem aos neurónios comunicar entre si, trocando sinais químicos ou eléctricos, transmitidos através das suas extensões, axónios e dendrites. Será que as raparigas são mais resistentes às desordens do espectro do autismo porque "atingem um certo número de marcos de desenvolvimento cognitivo" mais cedo do que os rapazes?, lança a equipa de Wigler na Neuron como hipótese. "Por exemplo, em geral, as meninas dizem as suas primeiras palavras numa idade mais precoce. Um ritmo de desenvolvimento mais rápido poderia reflectir uma robustez que protegesse o sexo feminino", escrevem. O autismo é diagnosticado a partir dos três anos de idade e o estudo revelou que, para que as meninas sejam afectadas pelas mutações genéticas espontâneas, estas têm que ser muito maiores e têm que atingir muito mais genes do que no caso dos rapazes (15 genes por mutação em média para elas, dois para eles). Além disso, quando as mulheres são autistas, é mais provável que tenham uma forma severa da doença. Entre os homens, há mais casos de pessoas que conseguem funcionar relativamente bem em sociedade, apesar de sofrerem de uma desordem que afecta, precisamente, as suas capacidades de relacionamento social. 
Williams, no ponto oposto 
Uma outra descoberta tem implicações curiosas para o estudo da base genética do nosso cérebro social: algures no braço mais curto do nosso cromossoma 7 fica uma região denominada "7q11.23" que está associada a uma doença chamada síndrome de Williams, que é o oposto do autismo: faz com que as pessoas se tornem altamente empáticas e sociáveis, extremamente sensíveis ao estado emocional dos outros. Isto, porque naquela região surgiram mutações que fizeram surgir cópias extra do genoma.No caso das mutações detectadas agora, associadas ao síndrome do espectro autista - em que há dificuldade em comunicar com os outros e manter relações sociais, em termos gerais -, faltam segmentos de ADN. "Esta região do genoma pode tornar-se a Pedra de Roseta para estudar o desenvolvimento do cérebro social", tal como a célebre pedra serviu para decifrar os hieróglifos egípcios, comentou Matthew State, da Universidade de Yale, outro membro da equipa, citado num comunicado da Fundação Simons. Mas não é de esperar que deste estudo saia uma "bala mágica", um medicamento contra o autismo - porque não existe uma doença única, ou um gene único que cause a cause. "A diversidade é tal que um único tratamento visando uma forma específica do autismo pode não ter efeito sobre a maioria dos casos", explica Michael Wigler, citado pela agência AFP. "Mas quando os genes com mutações relacionadas com o autismo forem identificados", disse ainda, pensando numa próxima geração de tecnologia, "poderemos começar a pensar nos problemas específicos de cada criança, e não em tratar vários problemas em conjunto." O autismo, que parece estar em crescimento - ou é cada vez mais detectado, provavelmente -, afectando pelo menos um por cento da população, está a assemelhar-se a outra doença da modernidade. "Uma complexidade genética semelhante é aparente em muitos cancros", sublinha a equipa de Vitkup, que verificou se as mutações ligadas ao autismo teriam alguma coerência funcional. 
Clara Barata Público online - 09/06/2011

terça-feira, 31 de maio de 2011

Apple provoca reacção 'religiosa' no cérebro


Cientistas britânicos podem ter descoberto a razão - pelo menos em parte - da popularidade da Apple: os produtos da empresa de Steve Jobs provocam nos seus fãs reacções no cérebro semelhantes às das experiências religiosas.

A surpreendente descoberta foi mostrada no programa da BBC Secrets of the Superbrands, emitido no Reino Unido na noite de ontem, quinta-feira, e hoje reportado em vários sites dedicados a ciência e tecnologia.

A produção do programa pediu a cientistas para analisarem o que acontece ao cérebro de um fanático da Apple enquanto observa os gadgets produzidos pela empresa.

A 'cobaia' escolhida, segundo o site CNet, foi o blogger e 'viciado' em Apple Alex Brooks, que além de manter uma página na net dedicada aos aparelhos da maçã ainda invoca o recorde de ter estado presente na inauguração de 30 lojas da marca em todo o mundo.


Os especialistas colocaram Alex Brooks numa máquina de ressonância magnética e estudaram, em tempo real, as alterações fisiológicas do seu cérebro cada vez que lhe era mostrada uma fotografia de um produto Apple.

Quando comparadas estas medições com outras semelhantes realizadas em pessoas muito religiosas - e expostas a imagens ligadas à sua fé - os neurologistas encontraram efeitos semelhantes. Ou seja, o cérebro de Alex Brooks reagiu perante um iPhone ou um iPad de uma forma parecida com a reacção de um cristão fundamentalista perante um crucifixo, por exemplo.

O programa Secrets of the Superbrands, da BBC, propõe-se a estudar o impacto nas nossas vidas de grandes marcas como a Apple, Google, Microsoft ou Nokia.
Diário de Notícias 20/05/2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O gene da felicidade?




Cientistas associam gene à felicidade 

Uma pessoa com duas variantes longas de um gene pode ter mais facilidade em ver o lado bom das coisas e por isso ser mais feliz, pelo menos de acordo com um estudo que vai ser publicado na revista Journal of Human Genetics. 
O trabalho foi feito a partir de um estudo norte-americano que observou a saúde dos adolescentes ao longo de 13 anos, entre 1995 e 2008. Para o trabalho de Jan-Emmanuel De Neve, investigador da Escola de Londres de Economia e Ciência Política, foram analisados 2574 adolescentes. 
O objectivo era tentar perceber por que é que algumas pessoas parecem naturalmente mais felizes do que outras. A conclusão que o cientista chegou é que as pessoas que nascem com duas versões maiores do gene chamado 5-HTT têm mais probabilidades de dizerem que estão satisfeitas com a vida, do que aqueles com uma versão mais curta. 
Este gene está envolvido no transporte de serotonina – o químico, que entre outras coisas, está associada ao sentimento de bem-estar. A variante longa deste gene permite uma libertação e uma reciclagem melhor da serotonina, do que a variante mais pequena. 
Cada pessoa tem duas variantes do gene, uma vinda do cromossoma do pai e outra do cromossoma da mãe. Os 2574 adolescentes responderam a um inquérito que perguntava quão satisfeitos estavam com a sua vida. As respostas variavam entre “muito satisfeito”, “satisfeito”, “nem satisfeito, nem insatisfeito”, “insatisfeito” e “muito insatisfeito”. 
Analisando a informação genética destes adolescentes, mais precisamente quais as variantes que cada um tinha para o gene 5-HTT, a equipa de De Neve verificou que 69 por cento dos que tinham duas cópias grandes do gene diziam que estavam satisfeitos (34%) ou muito satisfeitos (35%). Por outro lado, os que tinham duas cópias curtas, só 38% diziam que estavam satisfeitos (19%) ou muito satisfeitos (19%). Ao todo, cerca de 40 por cento dos adolescentes disseram que estavam "muito satisfeitos" com a vida. “Os resultados sugerem uma ligação forte entre a felicidade e a variação funcional deste gene”, disse o investigador citado pelo jornal britânico “The Telegraph”. “Claro que o nosso bem-estar não é determinado por apenas um gene – outros genes e especialmente a experiência que vamos tendo ao longo da vida continua a explicar a maioria da variação entre a felicidade de cada um.”
http://www.publico.pt/Ciências/cientistas-associam-gene-a-felicidade_1493419
09.05.2011 (Este link já não está ativo).


Teórico das inteligências múltiplas ganha Prémio Príncipe das Astúrias






















O cientista norte-americano Howard Gardner ganhou hoje o Prémio Príncipe das Astúrias das Ciências Sociais 2011, pelo trabalho feito na área da cognição e aprendizagem, onde desenvolveu a teoria das inteligências múltiplas. O prémio de 50 mil euros será entregue no Outono.




Gardner apresentou a sua teoria das inteligências múltiplas em 1983, com a qual mudou radicalmente o modo de entender a cognição, a inteligência e a educação.

O cientista, nascido em 1943 nos Estados Unidos e que obteve um doutoramento em psicologia social, pela Universidade de Harvard, em 1971, defende que não existe uma inteligência única. Considera que cada indivíduo possui pelo menos oito habilidades cognitivas. Estas inteligências são a linguística, lógico-matemática, corporal-cinestésica, musical, espacial, naturalista, interpessoal e intrapessoal.

Segundo a teoria, as oito não têm um valor intrínseco e “o comportamento do indivíduo na sociedade, fazendo uso da sua inteligência, constitui uma questão moral fundamental”, diz o comunicado em que é divulgada a atribuição do prémio. A teoria é em si mesma uma grande crítica à forma como se via a inteligência e como esta era avaliada, por exemplo através dos testes de QI.

“Estou entusiasmado e honrado por receber este prestigioso prémio”, disse em comunicado Howard Gardner, acrescentando que sempre se considerou um cientista social.

O norte-americano criticou a prevalência quase absoluta dos métodos quantitativos nas ciências sociais anglo-saxónicas, e disse ter ficado contente pelo “prémio reconhecer uma vertente das ciências sociais que envolve analises qualitativas e uma sintese alargada do conhecimento”.

Desde 1972, Gardner é co-director do Projecto Zero, na Universidade de Harvard, onde tem vindo a desenvolver um modelo de uma “escola inteligente”, na qual a aprendizagem é fruto do acto de pensar. A maior parte do trabalho está a ser aplicado em escolas públicas norte-americanas, principalmente em bairros pobres.

O cientista já publicou 25 livros, traduzidos em 28 línguas, e recebeu 26 doutoramentos honoris causa. Ganhou em 1984 o Prémio Nacional de Psicologia dos Estados Unidos. Em 2005 e 2008 foi considerado um dos cem intelectuais mais influentes do mundo pelas revistas Foreign Policy e Prospect.

Este é um dos oito prémio que a Fundação Príncipe das Astúrias atribui, todos os anos. Antes, foi anunciado o prémio das Artes ao director de orquestra italiano Riccardo Muti. Nas próximas semanas serão atribuídos os prémios da Comunicação e Humanidades, Investigação Científica e Técnológica, Letras e Cooperação Internacional. Os prémios para o Desporto e da Concórdia serão atribuídos em Setembro, antes da cerimónia feita no Outono, onde os premiados recebem o galardão, pela mão do príncipe das Astúrias, Felipe de Bourbon.

Anthony Giddens e Paul Krugman foram outros cientistas que receberam este prémio.


http://www.publico.pt/Ciências/teorico-das-inteligencias-multiplas-ganha-premio-principe-das-asturias_149370511.05.2011 - 16:13 Por Nicolau Ferreira

terça-feira, 22 de março de 2011

Como os cegos ‘ vêem’ com a audição


Adaptação. Cérebro redirecciona a informação para os ouvidos no caso das pessoas que nasceram sem ver

A audição torna-se na visão de quem nasceu cego. É esta a conclusão, de forma simplificada, de um estudo realizado no Canadá, que comprovou que o cérebro tem a capacidade para redireccionar a informação para os ouvidos no caso das pessoas que nasceram sem ver, demonstrando que é uma “ máquina orientada pelas funções” e não “ puramente sensorial”.

Neste estudo dirigido por Oliver Collignon, do Centro de Investigação do Hospital Saint-Justine, da Universidade de Montreal, os investigadores trabalharam com 11 pessoas cegas desde a nascença e com outras 11 com visão. A actividade cerebral foi analisada através de ressonâncias magnéticas, durante as quais as pessoas iam recebendo sons de diferentes tons. “ Os resultados demonstraram uma surpreendente plasticidade do cérebro”, salientou Collignon. A plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro tem de se remodelar de acordo com as experiências a que é sujeito, reformulando as suas conexões em função das necessidades e dos factores do ambiente em que se encontra.

O neuropsicólogo acrescentou que o cérebro privado da visão é “ suficientemente flexível para utilizar um nicho de neurónios para desenvolver e executar funções que são próximas das exigidas pelos restantes sentidos”. O que significa que esta pesquisa demonstra que o cérebro deve ser considerado “ uma máquina orientada pelas funções, em vez de uma máquina puramente sensorial”.

Apesar de demonstrado que o cérebro redirecciona informação, o que os investigadores ainda não conseguiram entender é como se realiza este processo. “ É possível que este redireccionar aconteça como parte das nossas conexões neurais que estão sempre em mudança”, referiu Collignon. No entanto, para já, não passa de uma teoria que vai agora ser investigada.

Este estudo baseou-se em outras investigações que indicavam que os invisuais tinham uma maior capacidade auditiva, pelo que o resultado final deste último, agora divulgado, não surpreendeu Carlos Lopes. O presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal ( ACAPO) e ex-atleta paralímpico confirma que é natural que ao ficar privado da visão, os outros sentidos fiquem mais apurados, principalmente a audição. “ É o sentido que nos permite ter o contacto mais directo com a realidade que nos rodeia”, salientou ao DN. Porém, realça ainda outro pormenor importante a ter em conta: “ A atenção é também diferente. Nós temos de tomar atenção a tudo e, nomeadamente com a audição, temos de estar atentos aos sons que para quem vê não são tão importantes, pois processa essa mesma realidade através da visão.”

Carlos Lopes prefere falar da necessidade que se tem em aprender a potenciar os restantes sentidos quando não se tem visão. “ Isto é relativo à audição, mas também aos restantes sentidos.” Mas realça ainda o problema que é quando alguém que não vê tem também problemas de audição. Ou seja, torna-se difícil aplicar a atenção e a aprendizagem quando dois dos sentidos que mais rapidamente dão a percepção da realidade não estãofuncionais.

| Elisabete Silva, DN - 21.03.2011 (Edição impressa).

domingo, 20 de março de 2011

Livro "Portugal invísível" - O drama do assédio moral


Inspirados pelo livro La France invisible, os 16 autores deste livro, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, procuram mostrar fenómenos da realidade portuguesa que são menos visíveis socialmente.
Os coordenadores António Dornelas, Luísa Oliveira, Luísa Veloso e Maria das Dores Guerreiro, consideram que os aspectos focados são, nalguns casos, invisíveis “porque ocorrem na esfera da privacidade dos indivíduos e das famílias” e que, noutros casos, fazem parte do mundo oculto do trabalho e das empresas (trabalho clandestino, assédio moral) ou não são facilmente perceptíveis ao entendimento do cidadão comum (mercados financeiros e agências de rating).
Mostrando razões para a ocultação destas situações, os autores querem saber de que forma e em que medida “a parte ‘invisível’ da realidade social condiciona e influencia as decisões tomadas no lado ‘visível’”. E, citando os organizadores da obra francesa, acrescentam que “a existência de invisíveis numa sociedade que dispõe de inúmeros instrumentos para se conhecer convida a repensar a questão dos usos sociais dos dispositivos de acção pública e das instituições” (Beaud, Confavreux, e Lindgaard, 2006).
Em nove capítulos, os autores, com formações variadas – da Psicologia à Sociologia, passando pela Economia e pela Saúde Pública –, fazem um retrato do país oculto, que a leitura deste livro tornará mais transparente.
www.gulbenkian.pt
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Assédio moral tem-se agravado com transformações laborais, diz investigadora

Não há estatísticas, porque as pessoas não as denunciam, mas as situações de assédio moral têm-se agravado, afectando homens e mulheres, velhos e novos, realça a socióloga Luísa Veloso.

Não sendo um problema social “novo”, o assédio moral tem vindo a adquirir “uma expressão maciça”, potenciada pelas mudanças nas economias e nos mercados de trabalho, explica a investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, que, em conjunto com Luísa Oliveira, também socióloga e investigadora na mesma instituição, escreve sobre o assédio moral no livro “Portugal Invisível” (ed. Mundos Sociais), recentemente lançado.

O assédio moral engloba “situações várias”, que não são recentes nas sociedades contemporâneas, mas “que se têm vindo a agravar”, em que se verifica uma “infernização do quotidiano das pessoas”, no local de trabalho, por parte dos superiores hierárquicos ou dos próprios colegas, resume Luísa Veloso, em declarações à agência Lusa.

As pessoas passam a ter de “desempenhar funções para as quais não estão preparadas” ou a “trabalhar muito mais horas do que é suposto” ou a serem forçadas a assumir mais responsabilidades ou exigências, enumera.

Casos destes, alerta, estão por todo o lado, nas empresas privadas ou nos organismos do Estado e incidem quer sobre “quem fica e permanece no ativo, a trabalhar”, quer sobre os trabalhadores que os patrões querem dispensar recorrendo a um “processo silencioso” que passe por cima dos direitos sociais adquiridos.

Todas são “situações muito perturbadoras”, que configuram “um atentado à dignidade humana”, e “muito prejudiciais à própria saúde das pessoas”, quer mental quer física, pois resultam, frequentemente, noutras doenças, refere Luísa Veloso. “O valor económico deste problema -- escrevem as investigadoras no artigo -- não é despiciendo se atendermos aos gastos das empresas e do Estado, tendo em conta que se trata de um problema de saúde pública”, o que “impõe uma reflexão pública”.

Pode chegar-se ao ponto de “a pessoa chegar para trabalhar e não ter nada na sua secretária”, exemplifica Luísa Veloso, recordando que das três vítimas de assédio moral entrevistadas para o trabalho de investigação realizado uma “até chorou”. “É um poço sem fundo”, resume.

Uma psiquiatra e um advogado colaboraram no estudo retratando todos os casos “absolutamente dramáticos” que lhes chegam às mãos. Foi difícil convencer as vítimas a partilharem as suas experiências, porque “as pessoas não denunciam, há uma vergonha social muito grande” e, por outro lado, “nem sempre têm consciência do estado em que se encontram”, justifica Luísa Veloso.

Faltam estatísticas e muitas vezes estes casos são assinalados como depressão, por exemplo, não se estabelecendo as causas sociais do problema.

O assédio moral afeta tanto homens como mulheres e não escolhe idades. “As pessoas na faixa dos 45-50 anos são muito objeto de chantagem para saírem”, enquanto os jovens fazem “uma aceitação tácita de determinadas condições”: “trabalhar muitas horas por dia” ou ser “insultado ou humilhado publicamente por parte do superior hierárquico em frente aos colegas”, descreve Luísa Veloso.

“O mercado de trabalho mudou muito” e hoje existe “muita insegurança” e “muitos jovens, e mesmo pessoas mais velhas, que já têm compromissos materiais -- endividamentos com a banca -- e que têm as suas famílias, aceitam situações que muitos de nós nem sequer sonham que existem”.
| Público - 20.03.2011

Tecnologia Aprovado aparelho auditivo que transmite som através da mandíbula


Um novo aparelho auditivo que transmite o som através dos ossos da boca e dos dentes acaba de ser aprovado para uso no espaço europeu.

O aparelho, chamado SoundBite, redirecciona o som para o ouvido interno através da mandíbula. Deve ser colocado em contacto com os molares e cada aparelho terá de ser feito à medida de cada paciente.

Os aparelhos auditivos tradicionais aumentam o volume dos sons propagados pelo ar. O SoundBite faz uso de uma estratégia diferente: a condução do som através do osso.

Primeiro, uma rede de pequeníssimos microfones é colocada atrás do ouvido com problemas e estes microfones servem para captar o som e, ao mesmo tempo, diminuir o ruído envolvente. O som é transmitido depois para a prótese que está na boca e que reenvia as vibrações através dos dentes e ossos directamente para a cóclea - a parte do ouvido interno responsável pela audição propriamente dita - atravessando o ouvido externo e médio.

A empresa que criou este aparelho, a Sonitus Medical, é o primeiro dispositivo não-cirúrgico a fazer uso da propagação do som através dos ossos.

O problema está no facto de o aparelho necessitar que o paciente tenha enfiada na boca uma prótese e, numa situação de diálogo, o paciente terá provavelmente de estar sempre a pôr e a tirar a prótese da boca, quando quiser falar.

Além disso, o britânico Royal National Institute for Deaf People já veio dizer que o aparelho poderá não ser aconselhado a todos os pacientes.

| Público - 17/03/2011

Reprodução em flores usa sistema de comunicação que existe nos neurónios

O tubo polínico é uma célula vegetal incomum, nasce a partir do grão de pólen, no topo do órgão reprodutor feminino que está na flor da planta, e cresce sem parar até fecundar o óvulo. Em certas espécies, como no milho, esta distância é de meio metro. Nunca se percebeu como a célula cresce na direcção correcta, mas agora uma equipa do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, descobriu que as paredes do ovário da planta produzem uma molécula que ajuda nesta caminhada, este processo fisiológico já era conhecido nos neurónios. A descoberta foi publicada hoje na edição online da revista Science. O tubo polínico tem as mesmas características de certas leveduras e fungos filamentosos que crescem só numa direcção. Têm que ter “um tipo de crescimento muito rápido e precisam constantemente de informação do ambiente para saber se viram para a esquerda ou se continuam em frente”, disse ao PÚBLICO José Feijó, líder da equipa responsável pelo estudo. O tubo polínico carrega ao longo do pistilo, o órgão reprodutor da planta, o núcleo que vai fecundar o óvulo e formar as sementes. Para isso tem que crescer, ou seja, produzir constantemente a parede de celulose que reveste todas as células vegetais. Há vários sinais e substâncias que intervêm neste crescimento e que a equipa do IGC tem vindo a estudar. Um deles é o ião de cálcio, que tem oscilações de concentração dentro da célula. Não se sabe “porquê é que estes padrões do cálcio são importantes na fisiologia das células”, explicou o cientista. O certo é que acontece em muitos processos celulares de diferentes organismos. No caso dos tubos polínicos da planta do tabaco e da espécie vegetal Arabidopsis thaliana, estudados pela equipa, os cientistas descobriram que o receptor do glutamato, uma proteína que atravessa as membranas das células e que também existe nos neurónios, é responsável pela entrada destes iões de cálcio para dentro da célula. Quando Erwan Michard, primeiro autor do artigo, e colegas utilizaram in vitro bloqueadores deste receptor, os tubos polínicos passaram a crescer mal. A equipa foi mais longe e identificou que o D-glutamato é a substância que melhor activa estes receptores in vitro. Na Arabidopsis, a substância é produzida em concentrações elevadas no pistilo. Quando os cientistas puseram grãos de pólen a crescer em plantas mutadas que não fabricavam a enzima que produz o D-glutamato, os tubos polínicos “andavam perdidos”. O D-glutamato funciona assim como um sinalizador para o tubo polínico alcançar o óvulo. “Esta é uma via de sinalização completamente nova que nunca foi encontrada em plantas”, explicou Feijó. Mas já se conhecia nos animais. As células nervosas utilizam receptores de glutamato que são activados também pelo glutamato na comunicação de uma célula para a outra. José Feijó explica que não se sabe se os genes que codificam estes receptores em plantas e em animais têm um antepassado comum ou se são adaptações independentes. “As coisas acontecem porque funcionam”, disse o cientista. Mas “é excitante o mesmo tipo de moléculas e canais serem utilizados para a comunicação”. | Nicolau Ferreira, Público - 17.03.2011

Nasce em Espanha o primeiro bebé seleccionado para não ter um gene relacionado com cancro da mama


Espanha deu um passo no sentido de abrir mais a porta à selecção de embriões. Um casal recorreu à procriação medicamente assistida para garantir que teria um bebé livre de uma mutação genética fortemente relacionada com o cancro da mama e que afectou várias pessoas da mesma família. O bebé, um rapaz, nasceu no final de 2010 mas só agora os investigadores catalães vieram dar a conhecer o caso, noticia o diário espanhol El Mundo. Em Portugal não há nenhuma situação semelhante.

Em causa está o gene BRCA1 que, à semelhança do gene BRCA2, leva a que os seus portadores (em especial as mulheres, mas também alguns homens) tenham uma probabilidade acrescida de virem a desenvolver tumores da mama, ovário ou pâncreas. No caso do cancro da mama hereditário, há 60 por cento de hipóteses de os portadores da mutação genética virem a sofrer da doença e 20 por cento de terem cancro nos ovários, refere o El País. Em 99 por cento dos casos a doença afecta as mulheres, mas pode ser bastante mais grave nos homens.

Este era precisamente o caso do casal que recorreu ao Programa de Reprodução Assistida de Puigvert-Sant Pau de Barcelona para colocar um ponto final no historial de cancro que tinha na sua família e que estava relacionado com o BRCA1.

O caso, por ser o primeiro no país, passou pelas mãos da Comissão Nacional de Reprodução Assistida espanhola, que decidiu dar luz verde à primeira selecção de embriões relacionada com uma doença oncológica. À semelhança de Portugal, a lei espanhola permite a selecção genética de embriões em algumas doenças relacionadas com um único gene e com consequências muito graves e sem solução, como é o caso da fibrose quística.

No entanto, no caso do cancro, por ser uma patologia mais complexa e com várias origens, nomeadamente ambientais, os casos são vistos um a um. A lei tem em consideração a gravidade da patologia, a aparição precoce da doença – que no caso desta família surgia por volta dos 30 anos e em homens e mulheres –, e os tratamentos actualmente existentes.

Nenhum caso em Portugal

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida português, Miguel Oliveira e Silva, referiu que não conhece este caso do casal espanhol em concreto, mas disse que “não choca que haja selecção em famílias com um historial muito carregado”. Ainda assim, o médico salientou que não há registo de um caso semelhante em Portugal e lembrou que é preciso avaliar criteriosamente cada situação, já que “ser portador de um gene não significa que se venha a ter cancro” e por existirem “muitos factores, como a alimentação, que influenciam” este tipo de patologias.

No caso espanhol, após a autorização, foram fecundados in vitro vários óvulos e foi feito um Diagnóstico Genético Pré-implantacional aos embriões, de modo a excluir os portadores do BRCA1. Os investigadores espanhóis implantaram, depois, vários embriões mas só um sobreviveu. Contudo, alertam que este bebé não está totalmente livre de vir a ter um cancro, já que apenas foi feita a selecção para um gene, e rejeitam que esta venha a ser uma prática aplicada em larga escala. Ainda assim, para o BRCA1 a história negra da família foi mesmo interrompida. O hospital está também a avaliar outro caso semelhante, mas numa família com antecedentes de cancro do cólon, inclusivamente nos progenitores.

A Comissão Nacional de Reprodução Assistida pondera que no futuro deixem de ser precisas autorizações prévias para seleccionar embriões caso as famílias tenham no seu historial determinadas doenças hereditárias graves. A situação, apesar de inédita em Espanha, já tinha acontecido noutros países, tanto para esta como para outras patologias oncológicas.

| Romana Borja-Santos, Público - 18.03.2011

Estudo realizado pela Associação Portuguesa do Sono Conduzir ao fim de 18 horas acordado é igual a ter uma taxa de alcoolemia de 0,5


Os olhos começam a fechar-se. A paisagem fica desfocada. A tendência é abrir a janela do carro e aumentar o som do rádio. Quem sabe parar e beber um café. Mas estes são apenas gestos que mascaram o sono – um problema que já levou 12 por cento dos condutores a adormecerem ao volante e que só no último ano resultou no facto de dez por cento dos condutores portugueses terem tido ou quase terem tido um acidente, segundo um estudo apresentado a propósito do Dia Mundial do Sono, que hoje se assinala.

O estudo “Sonolência dos Automobilistas Portugueses”, realizado pela Associação Portuguesa do Sono (APS), indica também que durante o último ano 23 por cento dos condutores portugueses admitiram que experienciaram, pelo menos uma vez, uma situação de sonolência ao volante e que três por cento chegaram mesmo a adormecer. O cenário afecta mais os homens entre os 25 e os 34 anos, de classes sociais mais elevadas, residentes em Lisboa e com risco elevado de terem ou virem a ter apneia do sono, uma patologia que pode agravar a sonolência mas que não é a única explicação. Em média, 30 por cento dos condutores portugueses dormem menos de seis horas por noite.

Cansaço, stress, um sono de má qualidade e trabalho por turnos são factores que podem agravar a possibilidade de ter um acidente de automóvel, sendo que é o sono é considerado a principal causa de acidentes de viação mortais e está relacionado com cerca de 20 por cento dos acidentes de informação, segundo dados avançados pela presidente da APS, a psiquiatra Marta Gonçalves, durante a apresentação que decorreu ontem em Lisboa. Ainda assim, este factor é frequentemente desvalorizado face, por exemplo, ao excesso de velocidade e ao consumo de álcool. De tal forma que, em geral, os condutores afirmam que têm uma boa qualidade de sono mas uma avaliação clínica mostra que 35 por cento tem uma má qualidade.

Os picos de sono

Os resultados mostram ainda que 50 por cento dos acidentes por sonolência aconteceram entre a meia-noite e as 6h00 e 33 por cento entre o meio-dia e as 18h00, precisamente durante a noite e após o almoço, os dois períodos onde é mais comum termos vontade de fechar os olhos. Quanto a locais, metade dos acidentes são em estradas secundárias, 33 por cento em cidade e 17 por cento em auto-estrada, apesar de estes últimos resultarem em mais mortes e feridos graves.

Também a neurologista Ana Rita Peralta, da direcção da APS, adiantou que “conduzir depois de 18 horas acordado produz os mesmos efeitos que uma taxa de alcoolemia de 0,5 g/litro de sangue” e que este valor duplica quando estamos acordados quase há 24 horas. “O mesmo é dizer que se trocássemos o álcool pelo sono estaríamos perante um crime. E se juntarmos álcool e sono, a mistura é explosiva”, alertou a especialista.

Contudo, há casos em que dormir oito horas e ter uma vida regulada não basta. Insónia, apneia do sono ou narcolepsia são algumas patologias subdiagnosticadas e responsáveis por vários acidentes na estrada. Carlos Alberto Lopes, 37 anos, está nestas estatísticas. Este professor de educação física sofre de narcolepsia, uma doença maioritariamente de origem genética que desregula o sono e que causa uma hipersonolência diurna, podendo provocar paralisias do sono e quedas perante emoções mais fortes.

Mas o caminho para o diagnóstico não foi fácil. Carlos Lopes adormeceu várias vezes ao volante e teve vários acidentes. Mas como estava a hora e meia do seu local de trabalho e tinha uma filha pequena desvalorizou e atribui os factos ao cansaço. Há cinco anos achou que a situação era demasiado recorrente e através de pesquisas na Internet identificou-se com alguns testemunhos e procurou um neurologista. “Agora estou perfeitamente regulado. Tento ter uma vida descansada e tomo umas pastilhas que ajudam a produzir uma substância relacionada com o sono profundo e que eu tenho carências”, explicou ao PÚBLICO.

Já o caso de Catarina Ventura, 31 anos e técnica de análises clínicas, não necessita de medicação, sendo aquilo a que se chama uma “long sleeper”, ou seja, precisa mesmo de dormir dez horas ou passa o dia literalmente com a cabeça a cair. “Tenho de regular muito bem a minha vida social e profissional. Uma vez adormeci e fui parar com o carro a uma valeta. Foi o alerta final e agora tenho mais cuidados e paro o carro aos primeiros sinais e durmo onde estiver”, contou.

Multar os sonolentos?

Mas quando não há uma patologia envolvida, será que o caminho é multar os condutores sonolentos? O secretário de Estado da Protecção Civil, presente na sessão que decorreu no Governo Civil de Lisboa, descartou para já qualquer medida neste sentido, mas assegurou que vão sensibilizar as pessoas para o problema e que trabalharão com as autoridades para saberem melhor identificar estes casos.Assim, na sequência deste estudo e para assinalar o Dia Mundial do Sono, a APS lançou também, com o apoio do Ministério da Administração Interna, do Governo Civil de Lisboa, da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária uma campanha de sensibilização que pretende alertar para o facto de que “conduzir com sono pode matar” e que se dirige sobretudo aos jovens adultos. A campanha vai passar na televisão, na rádio e nas portagens serão distribuídos alguns folhetos informativos. No spot televisivo vê-se um trabalhador a adormecer no seu escritório e a deixar cair uma caneca de café. A acção provoca o caos no escritório e a campanha alerta para as consequências ainda mais gravosas se o incidente fosse na estrada.

Vídeo da campanha para televisão:
Já na rádio os spots simulam notícias e relatos de futebol onde a voz do locutor fica cada vez mais lenta e semelhante a uma canção de embalar, para alertar que a rádio não é solução para o problema.

O estudo da APS teve por base uma amostra de 900 pessoas com mais de 18 anos que conduzem pelo menos uma vez por semana. Realizou-se entre os dias 25 e 28 de Fevereiro de 2011 através de entrevista telefónica para telefones fixos e móveis em Portugal Continental e a amostra foi estratificada por regiões. A entrevista teve por base um questionário elaborado pela GfK Metris.

| Romana Borja-Santos, Público - 18.03.2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

A teoria do desenvolvimento de Vygotsky


Lev Semenovitch Vygotsky: uma breve história

Vygotsky nasceu em 1896 na Bielorrússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser independente.
Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos.
Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura se torna parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de actividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos
complexos dentro da história do indivíduo e da sociedade.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. A sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interacção do sujeito com o meio.
Para Vygotsky, o sujeito é interactivo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
Vygotsky trouxe à Psicologia uma nova perspectiva de abordar a infância. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos conceitos especificamente orientados para a descrição e a explicação da vida psicológica das crianças. É interessante notar que estes conceitos estão muito próximos da abordagem de Piaget, embora as teorias destes autores se tenham desenvolvido de forma completamente independente – Vygotsky nunca terá contactado com o pensamento de Piager e este último só numa fase tardia do desenvolvimento da sua sua perpectiva construtivista terá tido um conhecimento parcelar da obra do autor. Este facto parece reforçar cada uma das teorias, na medida em que ambas apontam na mesma direcção: há eu valorizar a perspectiva interaccionista no desenvolvimento do ser, tendo em conta que os processos psicológicos da criança têm especificidades que devem ser respeitadas e esclarecidas.
Contudo, a teoria do desenvolvimento de Vygotsky parece mais fluida e mais dinâmica que a teoria piagetiana, muito marcada pelo conceito de estádio que não existe na teoria sócio-histórica de Vygotsky.
Este privilegiou uma abordagem do desenvolvimento que buscava a síntese do homem como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, a sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sóciohistórica e na interação do ser humano com os outros no espaço social.
A sua abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses explicativas de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo.
Daqui se depreende que cada indivíduo terá uma história radicalmente diferente da dos outros indivíduos, embora possam existir confluências em resultado do facto dos indivíduos que formam uma sociedade partilharem um mesmo espaço social e uma mesma época em termos históricos.
Vygotsky acredita que as características individuais de cada ser humano, e até mesmo suas atitudes individuais, estão impregnadas de trocas com o colectivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir da sua relação com os outros indivíduos na sociedade.

Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal
Nesta perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, de L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está ligada ao facto do ser humano viver num meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos.
Entenderemos melhor essa relação ao analisarmos o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.
Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo através da aprendizagem? Como esta pode ser efectuada de modo a contribuir para o desenvolvimento global da criança?
De acordo com Vygotsky o desenvolvimento – principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social, pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar.
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar que a criança se vai desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser pensante, capaz de vincular a sua acção à representação de mundo que constitui a sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve directamente a interacção entre sujeitos.
Para Vygotsky a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de desenvolvimento real da criança, determinado pela sua capacidade de resolver problemas de forma independente, e o seu nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com a ajuda de um parceiro mais experiente.
São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, conseguindo superar-se.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem mais significativa vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo, seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das
interacções no interior do colectivo, das relações com o outro, que a criança terá condições de construir as suas próprias estruturas psicológicas.
É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto, com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que, para tornarem-se desenvolvimento efectivo, exigem que o processo de aprendizagem, os mediadores e as ferramentas de aprendizagem estejam integrados num ambiente adequado.
Temos, portanto, uma interacção entre desenvolvimento e aprendizagem, que se dá da seguinte maneira: num contexto cultural, com aparato biológico básico que lhe dá a capacidade para interagir com os outros, o indivíduo desenvolve-se movido por mecanismos de aprendizagem provocados por mediadores.

Pensamento e Linguagem:
A linguagem é, antes de tudo, social.
Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento.
A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interacção social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.

A linguagem egocêntrica
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo do pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesma, em voz baixa, enquanto está concentrada nalguma actividade. Esta fala, além de acompanhar a actividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planear uma resolução para a tarefa durante a actividade na qual a criança está entretida.
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interacção. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as ideias e a planejar melhor as acções. É como se a criança precisasse de falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem é o facto de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento.
Este momento crucial, quando a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a oralizar-se – a fase da fala egocêntrica – é marcado pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente se abstrai do som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar de dizê-las. Aí está a entrar na fase do discurso interior. Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interacção social, qualquer factor que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o quotidiano dos educadores, pois a atenção a este aspecto poderá permitir-lhes detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança.

Discurso interior e pensamento
O discurso interior é uma fase posterior em relação à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento expresso em palavras.
Já o pensamento propriamente dito é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito com palavras. É algo feito de ideias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para encontrar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exacta com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão numa frase ou num discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflecte na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento às outras pessoas.
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange as nossas inclinações e necessidades, os nossos interesses e impulsos, os nossos afectos e emoções. Tudo isso vai reflectir-se imensamente na nossa fala e no nosso pensamento.
|http://www.casa.bio.br/geografia/material2007/Vygotsky/Artigo-Vygotsky-e-o-desenvolvimento-humano.pdf


__________
Materiais complementares:
Documentário: “Vygotsky” da autoria de Marta Kohl
Link para o documentário:
http://estudarpsicologianaweb.blogspot.com/2010/04/introducao-vygotsky.html

Texto retirado do documentário:
“Segundo Vygotsky, o mundo psíquico, o funcionamento psicológico, não está pronto previamente, não é inato, não nasce com as pessoas, mas também não é recebido pelas pessoas como um pacote pronto do meio ambiente. Vygotsky fala em quatro entradas de desenvolvimento que, juntas, caracterizariam o funcionamento psicológico do ser humano. Uma é a Filogénese, que é a história da espécie humana; outra é a Ontogénese, que é a história do indivíduo, membro da espécie; outra a Sociogénese, que é a história cultural, do meio cultural no qual o sujeito está inserido; e a Microgénese, que é o aspecto mais microscópico do desenvolvimento.”
|Marta Kohl

Explicitação dos conceitos:

• Filogénese - A filogénese estuda a história da evolução animal/humana, nomeadamente a constituição dos seres humanos como sujeitos cognitivos. Filogenia (ou filogénese) (grego: phylon = tribo, raça e genetikos = relativo à génese = origem) é o termo comumente utilizado para hipóteses de relações evolutivas de um grupo de organismos, isto é, determinar as relações ancestrais entre espécies conhecidas (ambas as que vivem e as extintas). Todas as espécies animais têm uma história própria e essa história da espécie define limites e possibilidades de funcionamento psicológico.
• Ontogénese - descreve a origem e o desenvolvimento de um organismo desde a fecundação do óvulo até à morte. Significa o desenvolvimento do ser, de um indivíduo, de uma determinada espécie. Em cada espécie, o ser tem um caminho de desenvolvimento. Nasce, desenvolve-se, reproduz-se, morre, num ritmo determinado de desenvolvimento, com uma certa sequência etc.
• Sociogénese – é a história cultural, que é a história da cultura onde o sujeito está inserido, e das formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico, que definem de certa forma o funcionamento psicológico. A significação pela cultura tem dois aspectos. Um, que a cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas. E um outro aspecto da história cultural é como cada cultura organiza o desenvolvimento de uma forma diferente.
• Microgénese - diz respeito ao facto de que cada fenómeno psicológico tem a sua própria história. Por isto é micro no sentido, não necessariamente de pequeno, mas de que ela é a porta aberta dentro da teoria para o não determinismo. A microgénese faz com que olhemos como cada pequeno fenómeno tem a sua história, e como ninguém tem uma história igual à de outra pessoa, é aí que vai aparecer a construção da singularidade de cada pessoa e daí a heterogeneidade (a diferença) entre os seres humanos.
| Profª Esp. Izanny Brito, http://d.yimg.com/kq/groups/23519922/869911070/name/Aula03_perfil+do+aluno+eja.ppt

A teoria construtivista de Piaget


Introdução

Jean Piaget (1896-1980) criou o termo ‘epistemologia genética’, que compreende o estudo desenvolvimentalista da natureza do conhecimento, ao elaborar a sua teoria, buscou uma embriologia da inteligência que lançasse a luz sobre o problema da relação entre o sujeito agente ou pensante e os objectos do seu conhecimento. A busca, no campo do estudo do conhecimento, levou Piaget da Biologia à Psicologia, através do estudo da mente humana.

Em 1919 frequentou a Sorbonne em Paris, onde fez cursos de Psicopatologia, Lógica, Epistemologia e Filosofia da Ciência.

Ao aplicar testes de inteligência a crianças, sentiu-se cada vez mais interessado na razão pela qual as crianças fracassavam em testes dessa natureza, em lugar de interessar-se pelo estabelecimento de índices normativos de sucesso. Assim, começou a estudar o raciocínio das crianças e os caminhos percorridos por estas para chegar às suas respostas.

Em 1921, com 25 anos de idade, ocupou o cargo de director de pesquisas no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Genebra. Nesta mesma época casa-se com uma das suas alunas do Instituto. Do seu casamento resultaram 3 filhos. Com a ajuda da sua esposa, Piaget estudou o desenvolvimento cognitivo dos seus filhos de forma muito detalhada e minuciosa. A partir dessas observações, fundamentou muitos dos seus livros posteriores sobre o desenvolvimento da inteligência durante a primeira infância e a época em que a criança aprende a andar.

Em 1929, foi nomeado director do International Office of Education e tornou-se membro do Conselho Executivo da UNESCO.

Na década de 1930, o Instituto Rousseau fundiu-se com a Universidade de Genebra no qual Piaget assumiu a posição de director. Piaget afastou-se das actividades como professor em 1971, mas continuou a sua actividade de investigador.


A teoria do desenvolvimento de Piaget e a evolução

Segundo Piaget, as estruturas mentais ou orgânicas que constituem a inteligência, não são inatas (como era defendido pelo maturacionismo) nem determinadas pelo meio (como era defendido pelo behaviorismo). Elas são o produto de uma construção devido as influências do meio e a capacidade do organismo de ser influenciado e de responder a essas influências. É através das acções do indivíduo, a partir de esquemas motores, que se dá a compensação a essas influências ou perturbações do meio, ou seja, a troca do organismo com o meio, graças a um processo de adaptação progressiva, no sentido de uma constante equilibração que permite a construção das estruturas específicas para o acto de conhecer. Essas estruturas caracterizam-se, de um lado, por serem um prolongamento das estruturas orgânicas que nascem com o indivíduo e, por outro lado, por constituírem uma especialização em relação às mesmas, uma vez que essas estruturas são construídas com base na interacção do organismo com o meio.

Piaget realizou experiências com algumas espécies de plantas originárias do mediterrâneo, nos Alpes da Savóia, uma região de dois mil metros de altitude. Ele observou que as plantas reagiam ao novo meio produzindo folhas muito menores e espessas para reduzir a sua área de exposição ao frio, ao mesmo tempo que aumentavam a produção de clorofila e o poder de fotossíntese. Enquanto muitas dessas plantas voltaram à sua forma original quando transplantadas de volta para o jardim de Piaget em Genebra, algumas preservaram o seu tamanho reduzido, por inúmeros descendentes.

Piaget estudou algumas espécies de caracóis, como o Limnses Staganalis, que, em águas tranquilas, apresentava uma concha alongada. Entretanto, quando levado para as praias dos grandes lagos suíços, onde as ondas chocam violentamente contra as rochas, observou que o jovem caracol alterava a sua forma. Facto explicado por os caracóis se colarem firmemente nas rochas, contraindo fortemente a musculatura que os ligam à concha, de cada vez que uma onda se precipitava sobre eles. Essa contracção constante provocou o encurtamento da concha em desenvolvimento, até que esta adquirisse uma forma esférica. Para concluir a experiência, levou alguns desses caracóis para o seu aquário e também para uma pequena fonte de águas tranquilas e observou que os descendentes desses caracóis preservavam a forma esférica por muitas gerações. Através desta experiência, concluiu que os organismos podem adaptar-se geneticamente a um novo meio.


Repercussões da biologia na teoria de Piaget

Nas suas reflexões Piaget diverge de Darwin, o qual considerava os organismos essencialmente passivos, dependentes da mutação fortuita e da selecção natural para a sua sobrevivência. Para Piaget, pelo contrário, a adaptação é um processo dinâmico e contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo de modo a reconstituir-se, procurando uma melhor sobrevivência.

Pensando na filogénese humana, através da qual a espécie humana levou milhões de anos para se adaptar dinamicamente ao meio ambiente, através de um processo evolutivo que culminou na transformação do homem num ser cultural.

Voltando-se da biologia para o estudo do conhecimento, começa a perceber a continuidade entre a inteligência biológica (demonstrada até mesmo pelas plantas e pelos animais inferiores) e o conhecimento humano (no seu desenvolvimento a partir da infância). Concluiu então que o conhecimento é uma relação evolutiva entre a criança e o seu meio.

Assim, como nas experiências realizadas por Piaget, onde os caracóis reconstituíram o seu formato, sofrendo uma mudança na sua morfologia para sobreviverem num ambiente hostil, a criança reconstrói as suas acções e ideias em relação com novas experiências ambientais, adaptando-se ao meio que a cerca.

No curso deste contínuo relacionamento com o meio, a criança exibe, em algumas idades, estruturas ou organizações de acção e pensamento características a que Piaget chamou estádios do desenvolvimento intelectual.

Contudo, entendemos que a maior contribuição de Piaget talvez esteja na sua brilhante análise de como o conhecimento humano se desenvolve lentamente, para além das suas origens biológicas herdadas, através de um processo de auto-regulação baseado na resposta do ambiente, que leva a uma reconstrução interna. A habilidade de se adaptar as novas situações através da auto-regulação torna-se um elo comum entre todos os seres vivos e a base da teoria biológica do conhecimento de Piaget.

Para Piaget, a adaptação é a essência do funcionamento intelectual, assim como a essência do funcionamento biológico.

A adaptação ocorre através da organização, onde o organismo discrimina entre os vários estímulos e sensações com os quais tem contacto e os organiza nalguma forma de estrutura. Por exemplo, para o bebé é bem complexa a quantidade de sensações que recebe do meio ambiente (a relação com a sua mãe, onde recebe informações tais como o som da voz, o calor e a macieza do corpo materno, o cheiro e o sabor do leite humano, o movimento tranquilizador do embalo, entre outras). Já na criança maior, a organização pode significar um sistema de classificação que lhe permita seleccionar e rotular objectos, como por exemplo, coleccionar selos, cromos, moedas, caixas de fósforo, latas de vários produtos e muitos outros. Assim, observa-se na teoria Piagetiana que a organização está implícita na nossa herança biológica.

Princípios de sustentação da teoria

Como já vimos, na teoria Piagetiana a inteligência humana é justificada na adaptação do homem ao meio ambiente. Esta adaptação tem como sustentação dois princípios, denominados por Piaget de assimilação e acomodação.

A assimilação corresponde ao processo de recepção do ambiente, de todos os tipos de estímulo e informação, organizando-os para, em seguida, integrá-los nas formas ou estruturas existentes no organismo, criando assim novas estruturas.

A acomodação é o processo que tem por finalidade a busca e ajustamento às condições novas e mutáveis no ambiente, de tal modo que os padrões comportamentais preexistentes são modificados para lidar com as novas informações ou com o feedback das situações externas.

Portanto, a inteligência é o resultado da experiência do indivíduo, pois através da experiência, da acção e do movimento, ele, simultaneamente, incorpora o mundo exterior transformando-o e transformando-se. No primeiro caso, existe assimilação do mundo exterior e no segundo, acomodação ao mundo exterior, isto é, o indivíduo transforma-se e transforma.

Pode-se dizer, de maneira grosseira, que assimilação é o processo de entrada, seja de sensações (através de experiência somatestésicas), no contacto com objectos, pessoas, novos alimentos ou outras experiências vivenciadas no ambiente. É o processo pelo qual as coisas, pessoas, ideias, costumes e preferências são incorporados na actividade de um indivíduo. Por exemplo, ouvindo as pessoas falarem à sua volta, a criança aprende a construção das frases e o sentido da linguagem, muito antes de ser capaz de falar.

A acomodação é o processo ajustador da saída, que consiste em dirigir-se para o meio. Por exemplo, a criança começa a balbuciar em resposta à conversa em seu redor e, gradualmente, aproxima-se das palavras que está a assimilar.

Estes dois processos funcionam simultaneamente em todos os níveis: biológico, afectivo e intelectual, possibilitando tanto o desenvolvimento físico quanto o cognitivo. Na prática, podemos observar estes dois processos no desenvolvimento das crianças, como por exemplo, no bebé que recebe o seu primeiro chocalho, logo tenta assimilá-lo, levando-o à boca, enquanto se acomoda ao tamanho, textura e formato do objecto. Essa experiência, no entanto, produz uma adaptação cognitiva e não digestiva. O bebé aprende que se trata de um objecto que pode ser sugado, agitado, batido, mas não engolido e, a partir daí, modifica a sua compreensão dos objectos que leva à boca e passa a inclui-los em categorias como objectos comestíveis e não comestíveis. Dessa forma, enquanto funciona adaptativamente, o bebé desenvolve-se intelectualmente.

Piaget, refere que [...] nenhum conhecimento, mesmo perceptivo, constitui uma simples cópia do real, porque contém um processo de assimilação de estruturas anteriores.

A criança é um organismo activo e curioso, que se direcciona, experimenta e busca meios de regular o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, entre a sua realidade interior e o mundo em seu redor. Assim como o corpo busca encontrar um estado fisiológico de equilíbrio entre o exercício e o repouso, ou entre a fome e a superalimentação, também a mente da criança busca o equilíbrio entre o que compreende e o que experimenta no seu ambiente.

Esse conceito de equilíbrio faz parte dos primeiros insights da teoria Piagetiana, entendido como sendo o atingir dum estado relativamente constante num sistema de equilíbrio e coordenação em permanente mudança entre o organismo e o seu meio. Esse é um sistema aberto, no qual a resposta do ambiente contribui para um processo constante de reorganização interna e auto-reguladora.

A ênfase da teoria Piagetiana faz-se, principalmente, no processo que traz a esses estados progressivos de equilíbrio, um processo auto-regulador denominado equilibração, como se fosse um termóstato que mantém um equilíbrio constante entre o calor e o frio.

Para Piaget , a equilibração é um processo dinâmico e continuamente auto-regulador do balanceamento das mudanças acarretadas pela assimilação e a acomodação, visando alcançar um estado estável ou de equilíbrio, encarado como um factor organizador subjacente a qualquer desenvolvimento biológico ou intelectual e concebido como um mecanismo de crescimento e aprendizagem no desenvolvimento cognitivo.

Devemos entender que o desenvolvimento é uma equilibração progressiva a partir de um estado inferior até o estado mais elevado de equilíbrio. A mente visa compreender e explicar em todos os níveis, das explicações vagas e incoerentes da infância à riqueza e flexibilidade do pensamento adulto. A teoria Piagetiana concebe esse processo como sendo um mecanismo de crescimento e aprendizagem no desenvolvimento cognitivo.

Pode-se dizer que Piaget é um interaccionista e não um maturacionista como Gesell que encara o desenvolvimento como reflexo da maturação do sistema nervoso. A teoria Piagetiana encara a maturação como um mecanismo fornecedor de condições e possibilidades para o indivíduo responder ao meio ambiente, como um potencial para assimilar e estruturar novas informações a partir dele.

No sentido maturacional, o indivíduo herda uma série de estruturas biológicas (sensoriais e neurológicas) que o predispõem ao surgimento de outras estruturas mentais. O aspecto maturacional do organismo é muito importante, principalmente do sistema nervoso central que, a partir da sua organização, proporciona a interacção com o meio, com o consequente surgimento de novas estruturas mentais que possibilitam a adaptação cada vez maior do indivíduo ao ambiente social, cultural e físico. Uma criança não é capaz de pensar como um adulto porque ainda não dispõe das estruturas lógicas, das organizações de pensamento e dos métodos de raciocínio que lhe permitem lidar com os problemas dos adultos.

Esta teoria mostra que o factor experiência é muito importante, porque se refere à experiência física e empírica, tal como a criança a encontra ao brincar com uma bola, com objectos de encaixes, empurrando carrinhos, contando objectos, levantando pesos ou interagindo de outras maneiras com o meio. A partir de experiências como estas, a criança constrói dois tipos de conhecimento; primeiro acontece o conhecimento físico, que se obtém através da acção sobre objectos e de como estes reagem ou são transformados. O segundo, enquanto conhecimento lógico-matemático aparece à medida que a criança age sobre o objecto, construindo relações lógicas entre estes. Estas acções incluem comparações como mais alto, mais baixo, mais rápido ou maior; envolvem relações que existem não nos objectos, mas na mente da criança que os compara. As relações matemáticas não estão implícitas nos objectos, sendo antes construídas pela criança que os observa ou conta. Por exemplo, um lápis é apenas um objecto físico, mas dois lápis existem com uma relação criada pela mente humana. Portanto, as operações mentais emergem de acções motoras e experiências sensoriais que são interiorizadas, onde a adaptação ao mundo exterior (em termos de aprendizagem) implica uma relação dialéctica e permanente entre os dois processos dinâmicos e complementares (assimilação e acomodação).

Quanto aos chamados esquemas de acção, Piaget relata que: conhecer não consiste, com efeito, em copiar o real mas agir sobre ele e transformá-lo (na aparência ou na realidade), de maneira a compreendê-lo em função dos sistemas de transformação aos quais estão ligados estas acções.

Assim, todo o conhecimento, em todos os níveis, está ligado à acção, compreendendo-se desta forma o papel da assimilação. As acções, com efeito, não se sucedem ao acaso, mas repetem-se e aplicam-se de maneiras semelhantes às situações comparáveis. Desta forma, Piaget, chama esquemas de acção o que numa acção é transponível, generalizável ou diferenciável de uma situação seguinte, ou seja, o que há de comum nas diversas repetições ou aplicações da mesma acção. Então, conhecer um objecto implica incorporá-lo em esquemas de acção, e isto ocorre desde as condutas sensório-motoras elementares até às operações lógico-matemáticas superiores.

A criança estabelece assim a relação com o mundo exterior através da circulação entre as percepções (assimilação) e os movimentos (acomodação), sendo o conjunto de adaptações (na sua circulação materializada pela motricidade) que irá transformar a inteligência prática (sensório-motora) em inteligência reflexiva (intelectual).

Por exemplo, uma criança que teve muitas experiências físicas com um objecto concreto, tal como uma bola, pode formar uma imagem mental desse objecto e agir sobre ele, usando o pensamento da mesma forma que nas suas experiências reais do passado. Já a criança que tem privações com relação às experiências ambientais, como aquela que nunca brincou com uma bola, ficará prejudicada no seu desenvolvimento intelectual. Esta colocação um tanto simplista, mas realista, estende-se a todos os tipos de relações com objectos e com o meio ambiente.

Para Piaget , a transmissão social é constituída de informações aprendidas com outras crianças ou transmitidas por pais, professores, ou livros no processo de educação. Hoje em dia acrescentaria a esta lista a televisão e o computador.

Mas, muitas vezes, o equilíbrio da criança fica perturbado, devido à contradição ou choque de informações que recebe, quer na escola, quer em casa. Este problema é chamado de conflito cognitivo.

Ressaltamos a importância do meio ambiente na teoria Piagetiana, onde este é fundamental no que diz respeito à riqueza ou pobreza da estimulação tanto em aspectos físicos como sociais, que vão interferir directamente no desenvolvimento cognitivo. Porque a criança precisa de um ambiente rico em estímulos, onde possa manipular objectos, explorar ambientes e observar fenómenos naturais.


O que se entende por estádios de desenvolvimento

A criança, à medida que evolui, vai-se ajustando à realidade circundante, e superando, de modo cada vez mais eficaz, as múltiplas situações com que se confronta.

Os sucessivos ajustamentos da criança ao meio que se vão manifestando ao longo do seu desenvolvimento levam a que a inteligência da criança vá assumindo formas diversificadas.

Piaget refere que a aceitação da noção de estádio exige determinados pressupostos, tais como:

-Carácter integrado de cada estádio. As estruturas construídas e específicas de determinada idade da criança tornam-se parte integrante da estrutura da idade seguinte;

-Estrutura do conjunto. Os elementos constituintes de determinado estádio estão intimamente ligados entre si e contribuem conjuntamente para caracterizar determinada conduta;

-Todo o estádio tem um nível de preparação e um nível de consecução. O estádio não surge definido e acabado, mas evolui no sentido da sua superação.

- As crianças podem iniciar e terminar determinado estádio em idades diferentes. O período estabelecido para delimitar os estádios é médio.

Os estádios de Piaget colocam a tónica na função intelectual do desenvolvimento. Ele não nega a existência e a importância de outras funções, mas delimita e especifica o campo da sua investigação ao domínio da epistemologia genética.



Estádios do desenvolvimento

Cada estádio é definido por diferentes formas do pensamento. A criança deve atravessar cada estádio segundo uma sequência regular, ou seja, os estádios de desenvolvimento cognitivo são sequenciais. Se a criança não for estimulada / motivada na devida altura não conseguirá superar o atraso do seu desenvolvimento. Assim, torna-se necessário que em cada estádio a criança experiencie e tenha tempo suficiente para interiorizar a experiência antes de prosseguir para o estádio seguinte.

Normalmente, a criança não apresenta características de um único estádio, com excepção do sensório-motor, podendo reflectir certas tendências e formas do estádio anterior e/ou posterior, por exemplo : uma criança que se encontre no estádio das operações concretas pode ter pensamentos e comportamentos característicos do pré-operatório e/ou algumas atitudes do estádio das operações formais.

Estádio sensório- motor (0 - 18/24 meses)

A actividade cognitiva durante este estádio baseia-se, principalmente, na experiência imediata através dos sentidos em que há interacção com o meio, esta é uma actividade prática. Na ausência de linguagem para designar as experiências e assim recordar os acontecimentos e ideias, as crianças ficam limitadas à experiência imediata, e assim vêem e sentem o que está a acontecer, mas não têm forma de categorizar a sua experiência, assim, a experiência imediata durante este estádio, significa que quase não existe nada entre a criança e o meio, pois a organização mental da criança está em estado bruto, de tal forma que a qualidade da experiência raramente é significativa, assim, o que a criança aprende e a forma como o faz permanecerá como uma experiência imediata tão vivida como qualquer primeira experiência. A busca visual é um comportamento sensório-motor e é fundamental para o desenvolvimento mental, pois este tem que ser aprendido antes de um conceito muito importante designado por permanência do objecto. À medida que as crianças começam a evoluir intelectualmente compreendem que, quando um objecto desaparece de vista, continua a existir embora não o possam ver, pois ao saberem que esse desaparecimento é temporário, são libertas de uma incessante busca visual. A experiência de ver objectos nos primeiros meses de vida e, posteriormente, de ver os mesmos objectos desaparecer e aparecer tem um importante papel no desenvolvimento mental. Assim, podemos afirmar que a ausência de experiência visual durante o período crítico da aprendizagem sensório - motora, impede o desenvolvimento de estruturas mentais. Sendo durante este estádio que os bebés aprendem principalmente através dos sentidos e são fortemente afectados pelo ambiente imediato, mas contudo, sendo também neste estádio que a permanência do objecto se desenvolve, podemos então afirmar que, os bebés são capazes de algum pensamento representativo, muito semelhante ao do estádio seguinte, pois seria um erro afirmar que, sendo a sua fala, gestos e manipulações tão limitadas, não haveria pensamento durante o período sensório-motor. “Nada substitui a experiência”, é uma boa síntese do período sensório-motor do desenvolvimento cognitivo, pois é a qualidade da experiência durante este primeiro estádio que prepara a criança para passar para o estádio seguinte.

Estádio Pré-operatório (2 - 7 anos)

Este estádio também chamado pensamento intuitivo é fundamental para o desenvolvimento da criança. Apesar de ainda não conseguir efectuar operações, a criança já usa a inteligência e o pensamento. Este é organizado através do processo de assimilação, acomodação e adaptação.

Neste estádio a criança já é capaz de representar as suas vivências e a sua realidade, através de diferentes significantes:

- Jogo : Para Piaget o jogo mais importante é o jogo simbólico (só acontece neste período), neste jogo predomina a assimilação (Ex. : é o jogo do faz de conta, as crianças "brincam aos pais", "ás escolas", "aos médicos", ...). o jogo de construções transforma-se em jogo simbólico com o predomínio da assimilação (Ex. : Lego - a criança diz que a sua construção é, por exemplo, uma casa. No entanto, para os adultos "é tudo menos uma casa").

Inicialmente (mais ao menos aos dois anos), a criança fala sozinha porque o seu pensamento ainda não está organizado, só com o decorrer deste período é que o começa a organizar, associando os acontecimentos com a linguagem na sua acção.

A criança ao jogar está a organizar e a conhecer o mundo, por outro lado, o jogo também funciona como "terapia" na libertação das suas angustias. Além disto, através do jogo também nos podemos aperceber da relação familiar da criança (Ex. : Quando a criança brinca com as bonecas pode mostrar a sua falta de amor por parte da mãe através da violência com que brinca com elas).

- Desenho : Até aos dois anos a criança só faz riscos, sem qualquer sentido, porque, para ela, o desenho não tem qualquer significado.

A criança, aos três anos já atribui significado ao desenho, fazendo riscos na horizontal, na vertical, espirais, círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha. Tem uma imagem mental depois de criar o desenho. Mas aos quatro anos a criança já é mais criativa e começa a perceber os seus desenho e projecta no desenho o que sente.

De um modo geral, podemos dizer que, neste estádio, o desenho representa a fase mais criativa e diversificada da criança.

A criança projecta nos seus desenhos a realidade que ela vive, não há realismo na cor, e também não há preocupação com os tamanhos. Nesta fase os desenhos começam a ser mais compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar as coisas à sua maneira e segundo os seus esquemas de acção e não se preocupa com o realismo. Também aqui a criança vai utilizar a assimilação.

- Linguagem : A linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue distingir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela uma certa confusão entre o pessoal e o social, o subjectivo e o objectivo. Este egocentrismo não significa egoísmo moral. Traduz, "por um lado, o primado da satisfação sobre a constatação objectiva... e, por outro, a deformação do real em função da acção e ponto de vista próprios. Nos dois casos, não tem consciência de si mesmo, sendo sobretudo uma indissociação entre o subjectivo e o objectivo...".Isto manifesta-se através dos monólogos e dos monólogos colectivos, (Ex. : quando num grupo de crianças estão todas a falar, dá a sensação que estão a conversar umas com as outras, mas não, estão sim todas a falarem sozinhas e ao mesmo tempo, ou seja, cada uma está no seu monólogo e assim manifesta o seu egocentrismo).

O termo egocentrismo, característica descritiva do pensamento pré-operatório, foi progressivamente sendo utilizado por Piaget, que o substitui pelo termo descentração.

A partir dos dois anos dá-se uma enorme evolução na linguagem, a título de exemplo, uma criança de dois anos compreende entre 200 a 300 palavras, enquanto que uma de cinco anos compreende 2000. Este aumento do número de vocábulos é favorecido pela forte motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem estimulados (canções, jogos, histórias, etc.), melhor desenvolvem a sua linguagem. Neste estádio a criança aprende sobretudo de forma intuitiva, isto é, realiza livres associações, fantasias e atribui significados únicos e lógicos. Se atentarmos a uma experiência muito conhecida de Piaget em que é dado a uma criança dois copos de água com igual quantidade de líquido, embora um alto e estreito e outro baixo e largo, intuitivamente a criança escolhe o copo alto pois no seu entender este parece conter mais água.

- Imagem e pensamento : A imagem mental é o suporte para o pensamento. A criança possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe porque há imagem. É um pensamento egocêntrico porque há o predomínio da assimilação, é artificial. Na organização do mundo a criança dá explicações pouco lógicas.

Entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestádios: o do pensamento intuitivo e o do pensamento pré - conceptual. O pensamento intuitivo surge a partir dos 4 anos, permitindo que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento é irreversível, isto é, a criança está sujeita às configurações perceptivas sem compreender a diferença entre as transformações reais e aparentes. No pensamento pré-conceptual domina um pensamento mágico, onde os desejos se tornam realidade e que possui também as seguintes características:

Animismo - A criança vai dar características humanas a seres inanimados.Este animismo vai desaparecendo progressivamente, aqui salienta-se a importância do papel do adulto, na medida que, a partir, sensivelmente dos cinco anos, não deve reforçar, mas sim atenuar o animismo.

Realismo - A realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias. Se sonhou que o lobo está no corredor, pode ter medo de sair do quarto.

Finalismo - Existe uma relação entre o finalismo e a causalidade. A criança ao olhar o mundo tenta explicar o que vê, ela diz que se as coisas existem têm de ter uma finalidade, no entanto, esta ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem essencial dela própria. Também aqui o adulto reforça o finalismo. Vai diminuindo progressivamente ao longo do estádio, apesar de persistir mais tempo que o animismo, devido às atitudes e respostas que os adultos dão às crianças.

Com o decorrer do tempo, os pais terão de ensinar, à criança, novos conceitos, de modo a que futuramente ela não tenha dificuldade em aprendê-los.

Artificialismo - É a explicação de fenómenos naturais como se fossem produzidos pelos seres humanos para lhes servir como todos os outros objectos: o Sol foi aceso por um fósforo gigante; a praia tem areia para nós brincarmos.

Piaget, considerou a irreversibilidade uma das características mais presentes no pensamento da criança pré-operatória, para melhor entendermos este ponto, tomemos em conta a seguinte experiência:

Piaget perguntou a uma criança de quatro anos : "Tens uma irmã? Sim, e a tua irmã tem uma irmã? Não, ela não tem uma irmã". Através das respostas dadas pela criança Piaget apercebeu-se da grande dificuldade que estas têm em compreender a reversibilidade das relações. No seu entender, a criança não tem flexibilidade mental suficiente para compreender que quando uma determinada acção já está realizada podemos voltar atrás. Desta forma, podemos dizer que as estruturas mentais neste estádio são amplamente intuitivas, livres e altamente imaginativas.

Para concluir a abordagem a este estádio é importante referir que a criança ao contactar com o meio de forma activa está a favorecer a sua aprendizagem de uma forma criativa e original.

Este estádio é fundamental pois a criança aprende de forma rápida e flexível, inicia-se o pensamento simbólico, em que as ideias dão lugar á experiência concreta. As crianças conseguem já partilhar socialmente as aprendizagens fruto do desenvolvimento e da sua comunicação.

Estádio das operações concretas (7 - 12 anos)

Para Piaget é neste estádio que se reorganiza verdadeiramente o pensamento. Como já referi no estádio anterior as crianças são sonhadoras, muito imaginativas e criativas. É a partir deste estádio (operações concretas) que começam a ver o mundo com mais realismo, deixam de confundir o real com a fantasia. É neste estádio que a criança adquire a capacidade de realizar operações. Podemos definir operação como a acção interiorizada - realizada no pensamento, componível - composta por várias acções ; reversível - pode voltar ao ponto de partida. A criança já consegue realizar operações, no entanto, precisa de realidade concreta para realizar as mesmas, ou seja, tem que ter a noção da realidade concreta para que seja possível à criança efectuar as operações.

Para compreendermos qual o aspecto fundamental do período que estamos a analisar, voltamos a referir a experiência dos copos de água. Se no estádio anterior a criança não conseguia perceber que a quantidade era a mesma independentemente do formato do copo, neste estádio elas já percebem que a quantidade (volume) do líquido é a mesma, pois já compreendem a noção de volume, bem como peso, espaço, tempo, classificação e operações numéricas.

- Espaço - organiza-se pela organização diferenciada dos vários espaços. A criança vai conhecendo os vários espaços nos quais interage, organizando-os. Também aqui está presente a reversibilidade do real, onde o conceito de espaço está relacionado com o conceito de operação. O espaço isolado por si só não existe.

- Tempo - não há reversibilidade do real, o tempo existe apenas no nosso pensamento, os acontecimentos sucedem-se num determinado espaço, e o tempo vai agrupando-os.

- Peso - para que a criança domine este conceito é fundamental que compare diversos objectivos para os poder diferenciar.

- Classificação - primeiro a criança tem que agrupar os objectos pela sua classe e tamanho, depois os classificar e consequentemente adquirir conceitos.

- Operações numéricas - primeiro a criança aprende o conceito de número e seriação, por volta dos sete anos, depois a classificação da realidade, mas essa classificação vai variando conforme a aprendizagem que ela vai fazendo ao longo do tempo.

Apesar de neste estádio a criança já conseguir efectuar operações correctamente, precisa ainda de estar em contacto com a realidade, por isso o seu pensamento é descritivo e intuitivo /parte do particular para o geral). Ao longo deste período já não tem dificuldade em distinguir o mundo real da fantasia. A criança já interiorizou algumas regras sociais e morais e, por isso, as cumpre deliberadamente para se proteger. É nesta fase que a criança começa a dar grande valor ao grupo de pares, por exemplo, começa a gostar de sair com os amigos, adquirindo valores tais como a amizade, companheirismo, partilha, etc., começando a aparecer os líderes.

Progressivamente a criança começa a desenvolver capacidade de se colocar no ponto de vista do outro, descentração cognitiva e social. Nesta fase deixa de existir monólogo passando a haver diálogo interno. O pensamento é cada vez mais estruturado devido ao desenvolvimento da linguagem. A criança tem já mais capacidade de estar concentrada, e algum tempo interessada em realizar determinada tarefa.

Estádio das operações formais (11/12 - 15/16 anos)

A transição para o estádio das operações formais é bastante evidente dadas as notáveis diferenças que surgem nas características do pensamento. É no estádio operatório formal que a criança realiza raciocínios abstractos, não recorrendo ao contacto com a realidade. A criança deixa o domínio do concreto para passar às representações abstractas. É nesta fase que a criança desenvolve a sua própria identidade, podendo haver, neste período problemas existências e dúvidas entre o certo e o errado. A criança manifesta outros interesses e ideais que defende segundo os seus próprios valores e naquilo que acredita.

O adolescente pensa e formula hipóteses, estas capacidades vão permitir-lhe definir conceitos e valores, por exemplo estudar determinada disciplina, como a geometria descritiva e a filosofia. A adolescência é caracterizada por aspectos de egocentrismo cognitivo, pois o adolescente possui a capacidade de resolver os problemas que por vezes surgem á sua volta.

Como se efectua a passagem para o estádio seguinte

Por vezes, as crianças observam os adultos ou outras crianças mais velhas quando estão a resolver os problemas. Notam que o fazem de uma maneira diferente da sua, por meio de regras que pertencem a outro estádio desenvolvimento e, por isso, sentem-se perdidas. Mas este sentimento, que se deve à disparidade entre elas e os mais velhos na resolução de problemas, tem os seus pontos benéficos. A criança procura então reduzir a distância que a separa das outras, mais velhas e, por isso, aprende novas regras. Se a criança for suficientemente madura imitará o modelo de acção usado pelos mais velhos e, por consequência, iniciará a sua entrada no estádio seguinte. A aprendizagem de conceitos novos e de esquemas de comportamento pode pois ser efectuada socialmente, pela observação de outras pessoas.

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Freud e a Psicanálise

Freud e a Psicanálise de Paulo Gomes